quinta-feira, 29 de agosto de 2013

choque do espelho


o choque do espelho

faz dias que vejo essa mesma estrada, reta e vazia.

mão única

sem fim

tudo o que tenho
carrego junto ao meu corpo
e dentro coração

contava nos dedos de uma mão as horas que dormi
quando comecei a ver as primeiras luzes
tingindo o horizonte de vermelho

pensava naquela hora
que talvez
essa hora não fosse mais chegar

será que ainda me lembro de onde você mora?
não há mais ninguem aqui pra quem eu possa perguntar...
será que vai ficar feliz ao me ver?
o que será que já foi esquecido?

...

e em pensamentos, me perco na rua
e esqueço

...

quando volto
estou em outro lugar
sei que devia me lembrar daqui
sinto frio
na água, em pé, aos os meus pés
minha imagem
emoldurada dentro da luz da lua

me vendo assim
como num despertar
volto a mim

volto a lembrar quem eu sou
e que o que estou fazendo é loucura
e que já fui longe demais

quando justamente penso

- se fui longe demais
é porque talvez eu não queira mais voltar

quero recomeçar

talvez seja essa a minha vida
talvez seja essa a minha função

o recomeço

retiro do bolso
um papel amassado
anotado a lápis
e repito as palavras
que me aquecem

a casa é onde está o coração
e o seu caminho é o único que se pode seguir
sou seu discípulo
e a sua extrema benevolencia presto contas
sabendo que não existe vingança
acontece que ele se cansa com a burrice
dos que preferem não ouvi-lo
por ganância, poder, covardia

ou tudo junto

carinhosamente
coloco a caixa na água e deixo a correnteza a levar
volto para a velha estrada
carregando tudo o que tenho junto ao corpo
e dentro do coração

--

aconteceu na mesma noite quando sonhei que em minhas veias não havia sangue.

de olhos fechados, sentia a cutucada aguda e concentrada da agulha rasgando a carne e se afundando na dobra de meu braço, para então, logo em seguida, ouvir os muxoxos da enfermeira virando exclamações assustadas em voz alta. Sem o mesmo cuidado com que ela enfiara a agulha, a retirou bruscamente para sair andando a passos largos pelo corredor, deixando aberta a porta do quartinho em que estávamos. Olho para aquele furinho oco, e logo em seguida para o corredor branco e iluminado. Acordo logo que me levanto da cadeira.

Perdi o sono e não tentei voltar a dormir. Preferi ficar na sala, dedilhando o violão que preenchia a sala sem a barulheira que a cidade faz quando acordada. Liguei a Tv, tirei todo o seu volume e deixei a mudança frenética de imagens dar o tom da iluminação

Me assusto quando toca o interfone. Me assusto ainda mais quando ouço o bater na porta antes mesmo de atender a chamada. Demorei para lembrar que em função de sua infinita simpatia ninguém te fazia esperar, só não imaginava que fosse voltar. Muito menos assim. Tirei o interfone do gancho e antes de ouvir a voz do porteiro, fui dizendo - ok, ok obrigado, enquanto dava as duas voltas na fechadura para abrir a porta.

Não consegui decifrar a sua expressão. Fiquei com a sensação que não te conhecia mais.

Notei que chovia ao te abraçar. Você colocou o queixo sobre o meu ombro mas manteve as mãos junto ao próprio corpo. Carregava uma caixinha. Seu casaco de veludo estava frio e úmido, trazia pequenas gotas d´água nos ombros.

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